LAVOURA DE GALÁXIAS | MARCOS FREITAS


LAVOURA DE GALÁXIAS

1.
Minha mãe
se foi
meio sem
de mim se despedir.
O poeta
se fez rouco.
O poeta
se fez mouco.

2.
Ser forte
era preciso.
Não chorar
era preciso.
Chorei.

3.
O cotidiano
se tornou um vazio
entre os meses do ano.
O céu, tédio:
nuvens de peixes
no cinza do rio.
Ruas e praças
sem nomes nas placas.

4.
A chave dos sonhos
abriu galáxias de estrelas.

5.
Já não me engasgo, mãe.
Apenas com o soluço
de tua ida,
aos mundos dos ventos.

6.
O terraço de minha infância
há de ser sempre
o entreabrir de teu sorriso.
(meigo, simples)

7.
Domingos serão locomotivas de auroras
brotando nas roseiras
cuidadas no jardim de casa.

8.
Um dia – sem querer –
inventarei de inventar palavras e sons.
Quando nasci, chorei.

9.
As horas (haverá relógio para medí-las?)
pátinas de um grande armário
repleto de fina porcelana chinesa.
Meras memórias de vozes e silêncios.

10.
Diafragmáticas rotas de ar.
(microvilosidades de sonhos)
Sopro de espantos, além.

11.
No sossego infinito do quarto vazio,
aonde
arrumar doravante teus chinelos
embaixo da cama?

12.
O que coser na velha máquina Singer?
Nossas antigas roupas de criança?
Dedilha, bem sei mãe, na nova harpa
sutis sons de galáxias,
estalos eternos de amor.


RUA DO BARROCÃO

no quintal da minha infância
brotavam goiabas
vermelhas, brancas.

no terraço de minha adolescência,
entre bolas e bilas,
cresciam amizades sólidas.

hoje,
homem maduro,
ainda planto sonhos
e aguardo frutos.


ESTADO DEMOCRÁTICO DE POESIA

que não se organize a poesia em parágrafos,
mas em versos e não versos.
que nas intermináveis listas de considerandos,
considerem-se todas as formas de poesia.
que nunca mais se torturem as palavras.
que se abominem as quadrilhas (somente
as quadras serão permitidas)
que não se dilapide o patrimônio poético nacional.
que se preserve o direito da palavra de ir e vir
e voar,
caso queira.


Traducción por el mismo autor


 

CULTIVO DE GALAXIAS

1.
Mi madre
se fue
medio sin
despedirse de mí.
El poeta
se quedó ronco.
El poeta
se volvió sordo.

2.
Ser fuerte
era preciso.
No llorar
era preciso.
Lloré.

3.
Lo cotidiano
se hizo vacío
entre los meses del año.
El cielo, tedio:
nubes de peces
en el gris del río.
Calles y plazas

sin nombres en las placas.

4.
La llave de los sueños
abrió galaxias de estrellas.

5.
Ya no me atraganto, madre.
Solo con el espasmo
de tu marcha,
a los mundos de los vientos.

6.
La terraza de mi infancia
ha de ser siempre
el esbozo de tu sonrisa.
(tierna, simple)

7.
Domingos que serán locomotoras de auroras
brotando en la rosaleda
emparrada en el jardín de casa.

8.
Un día —sin querer—
inventaré inventar palabras y sonidos.
Cuando nací, lloré.

9.
Las horas (¿habrá reloj para contarlas?)
patinas de un gran armario
repleto de fina porcelana china.
Meras memorias de voces y silencios.

10.
Diafragmáticas rutas de aire.
(microvellosidades de sueños)
Maravilloso aliento del más allá.

11.
En el infinito sosiego del cuarto vacío,
¿cómo
acomodar en adelante tus chancletas
debajo de la cama?

12.
¿Qué coser en la vieja máquina Singer?
¿Nuestra vieja ropa de la infancia?
Pulsas, bien lo sé madre, en la nueva arpa
sutiles sonidos de galaxias,
eternos estruendos de amor.


CALLE DEL BARROCÃO

en el patio de mi infancia
brotaban guayabas
rojas, blancas.

en la terraza de mi adolescencia,
entre pelotas y canicas,
crecían amistades sólidas.

hoy,
hombre maduro,
aún planto sueños
y aguardo frutos.


ESTADO DEMOCRÁTICO DE LA POESÍA

que no se organice la poesía en párrafos,
sino en versos y reversos.
que en las interminables listas de considerandos,
se contemplen todas las formas de poesía.
que nunca más se torturen las palabras.
que se abomine de las cuadrillas (sólo
se permitirán las cuartetas)
que no se dilapide el patrimonio poético nacional.
que se preserve el derecho de la palabra a ir y venir
y a volar,
si es que así lo desea.


Marcos Freitas, nascido no Piauí em 1963, vive em Brasília como funcionário público, autor freelancer, editor e professor de engenharia civil. Viveu por quase cinco anos em Göttingen, Springe e Hanover, na Alemanha. Compositor, percussionista e letrista, pertencente à Bandana, Patuá e Lake Street Band, ao Coletivo de Poetas e ao Coletivo Cultural Verve Verde. Seus primeiros poemas publicados foram escritos em alemão no Info Goethe Institut em Göttingen, em 1991. Posteriormente, publicou os seguintes livros: A Vida Sente a Si Mesma (2003), A Terceira Margem sem Rio (2004), Moro do Lado de Dentro (2007), Staub und Schotter (2006) – Poemas escritos em alemão, inglês, francês, espanhol e italiano, quase um dia (2006), na curva de um rio, mungubas (2006), Inquietudes de horas e flores (2010) – edição bilíngue português-espanhol,tradução de Carlos Saiz, sentimento oceânico (2015), de arrodeios (2017), in the coming afternoon: the selected poems of marcos freitas: dual-language anthology – tradução por Beatriz Santos e Marcos Freitas (2020), entre outros. Recebeu inúmeros prêmios por seus poemas, incluindo o Prêmio de Poesia do Terraço Shopping – Brasília-DF 2005, o Prêmio de Poesia do SESC-Carlos Carlos Drummond de Andrade 2006/2007/2011 e 2016, o Prêmio SESI 50 Anos Brasília 2010 e também o Panorama da Literatura Brasil – Poemas – 2004/2005, 2006/2007, 2011/2012 e 2018/2019. É afiliado à Associação Nacional de Escritores (ANE), à União Brasileira de Escritores (UBE) e à Academia de Letras do Brasil (ALB).

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