TRÊS POEMAS INÉDITOS | MARIA EDUARDA CASTRO

DAS TAUTOLOGIAS N. I

 

mão, aparador

um e-mail entre os jovens sãos e salvos

 

as tentativas de não ficar presa como 

um ator em uma redoma, 

ou uma experiência em 

um béquer de um físico

em intensificados círculos familiares. 

 

a tentativa que transborda em seu redor  

 

na casa, as tautologias do início ao fim, 

se é, é 

os encadeamentos. 

se ficar, ou não – se descer,

 

os círculos sem saída

também nas questões do gosto,

se não é possível mais copiar, então que forma? 

ou como fazer uma única forma?, 

se pergunta A, 

com a vista de um modelo japonês. 

 

eu lavo o rosto com a água da 

manhã

para receber a terrível nova

de que estou há anos nessa propriedade. 

 

sonhos assustadores: 

o homem-cortador de plantas, 

um cão preso, 

ser perseguida por uma nazista bondosa, 

depois deslizar pelas ruas,

 

quando me confrontam 

porque não tinha eu mesma 

um cortador  

eu perdia perdão: 

“eu vim para cá”,

“eu falei falsamente que estava aliviada”, 

“eu confesso”.  

 

árvores jogam sombras nos cantos da sala, 

o que seria um respiro enfim.

 

olhamos para os sapatos 

e vista de apenas dois pombos nas árvores. 

 

um animal arranjou um ponto de fuga, 

se tornou em seu reino de plantas espinhentas, 

um astronauta amarelo

fazendo pesquisas

em cadeias filogenéticas,

não insisto mais, 

na história 

que se abre. 

 


 

DAS TAUTOLOGIAS N. II

 

aqui é a sala chamada Resignação – 

o peso da cadeira não dá sustento 

serve como aparador

 

a cachorra está doida, como diz a criança 

e repete – doida – doida, 

 

depois anda em círculos, 

para ingerir coisas não desejáveis 

e lê o livro o colocando na barriga, 

e arrancando as folhas, 

o livro vermelho da Revolução

 

(ouve talvez esse murmúrio de pessoas 

como um som abstrato – 

ouve um navio preso em 

um som ambiente) 

 

no espaço-instante das luas em torno 

de planetas

a história recente

 – colhe a antiga. 

a criança nem mesmo desliza nessa pista

que parece um deserto,

 

os peregrinos – essas formigas 

não deixam o seu repouso,  

nem o movimento nem o repouso funcionam, 

 

nem a palavra nem o silêncio,

ela cai de um altar.

 

ela irá decidir depois

se defende a tirania dos pais ou 

a desobediência dos filhos, 

mas não desliza no deserto,

 

onde brincam com brincadeiras

como 

estranhas mercadorias.   

um, dois, três irmãos andando em círculo, 

loopings de games

infinitos,  

para fazer o ritual

 

andar pelas neves soviéticas, 

contra inimigos, 

para sair de uma jaula gigante 

em uma floresta. 

 


 

NÃO RESPONDA AOS APELOS

 

passamos pelo sinal 

mais demorado do mundo 

(e você falou sobre 

um desenho de uma espécie de monge chinês

que fica sobre o ar).

a manhã, na janela,

se esgueira  

como uma mulher 

gigante e antiga, 

os cabelos no olho, 

a cabeça alcançando o vértice do céu, como disse 

aliás, o velho sábio 

preso injustamente em uma cela e

acalmado pela Filosofia 

(ou poderia ser 

em um filme surrealista,  

entre prédios, em um entre ato).

 

Nós estamos presos agora, em uma pequena sala, 

você falou em cores, 

mas o seu desejo de pintar está 

esquecido, 

a sua escolha por pequenos objetos, 

a sua visão das formas

inusitadas, 

tiradas das paredes,

e você não pode ver, como queria, 

seu canto do céu. 

 

o problema está 

na seriedade 

desses legados,

aqui te marcam em uma 

mais-valia sagrada

e você não pode emitir sons. 

 

Um pássaro está atravessando 

as fumaças do fogo 

vindo de uma claraboia gótica, 

muitos também estão presos,

as respiradas curtas 

e se dirigindo para o nada,

não é possível 

atravessar a rua,

sem memorizar 

um movimento anterior

 

nas mensagens: 

“está tudo perdido”,

se ninguém mais 

pinta retratos, 

teria que recomeçar do zero. 

agora também há pouca luz para pintar, 

por isso o cansaço 

 

(Brecht disse

claramente: apague os rastros).

 

 


Maria Eduarda Castro nasceu em Teresópolis, Rio de Janeiro, tem formação em cinema e mestrado e doutorado em filosofia pela PUC-Rio.

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