
DAS TAUTOLOGIAS N. I
mão, aparador
um e-mail entre os jovens sãos e salvos
as tentativas de não ficar presa como
um ator em uma redoma,
ou uma experiência em
um béquer de um físico
em intensificados círculos familiares.
a tentativa que transborda em seu redor
na casa, as tautologias do início ao fim,
se é, é
os encadeamentos.
se ficar, ou não – se descer,
os círculos sem saída
também nas questões do gosto,
se não é possível mais copiar, então que forma?
ou como fazer uma única forma?,
se pergunta A,
com a vista de um modelo japonês.
eu lavo o rosto com a água da
manhã
para receber a terrível nova
de que estou há anos nessa propriedade.
sonhos assustadores:
o homem-cortador de plantas,
um cão preso,
ser perseguida por uma nazista bondosa,
depois deslizar pelas ruas,
quando me confrontam
porque não tinha eu mesma
um cortador
eu perdia perdão:
“eu vim para cá”,
“eu falei falsamente que estava aliviada”,
“eu confesso”.
árvores jogam sombras nos cantos da sala,
o que seria um respiro enfim.
olhamos para os sapatos
e vista de apenas dois pombos nas árvores.
um animal arranjou um ponto de fuga,
se tornou em seu reino de plantas espinhentas,
um astronauta amarelo
fazendo pesquisas
em cadeias filogenéticas,
não insisto mais,
na história
que se abre.
DAS TAUTOLOGIAS N. II
aqui é a sala chamada Resignação –
o peso da cadeira não dá sustento
serve como aparador
a cachorra está doida, como diz a criança
e repete – doida – doida,
depois anda em círculos,
para ingerir coisas não desejáveis
e lê o livro o colocando na barriga,
e arrancando as folhas,
o livro vermelho da Revolução
(ouve talvez esse murmúrio de pessoas
como um som abstrato –
ouve um navio preso em
um som ambiente)
no espaço-instante das luas em torno
de planetas
a história recente
– colhe a antiga.
a criança nem mesmo desliza nessa pista
que parece um deserto,
os peregrinos – essas formigas
não deixam o seu repouso,
nem o movimento nem o repouso funcionam,
nem a palavra nem o silêncio,
ela cai de um altar.
ela irá decidir depois
se defende a tirania dos pais ou
a desobediência dos filhos,
mas não desliza no deserto,
onde brincam com brincadeiras
como
estranhas mercadorias.
um, dois, três irmãos andando em círculo,
loopings de games
infinitos,
para fazer o ritual
andar pelas neves soviéticas,
contra inimigos,
para sair de uma jaula gigante
em uma floresta.
NÃO RESPONDA AOS APELOS
passamos pelo sinal
mais demorado do mundo
(e você falou sobre
um desenho de uma espécie de monge chinês
que fica sobre o ar).
a manhã, na janela,
se esgueira
como uma mulher
gigante e antiga,
os cabelos no olho,
a cabeça alcançando o vértice do céu, como disse
aliás, o velho sábio
preso injustamente em uma cela e
acalmado pela Filosofia
(ou poderia ser
em um filme surrealista,
entre prédios, em um entre ato).
Nós estamos presos agora, em uma pequena sala,
você falou em cores,
mas o seu desejo de pintar está
esquecido,
a sua escolha por pequenos objetos,
a sua visão das formas
inusitadas,
tiradas das paredes,
e você não pode ver, como queria,
seu canto do céu.
o problema está
na seriedade
desses legados,
aqui te marcam em uma
mais-valia sagrada
e você não pode emitir sons.
Um pássaro está atravessando
as fumaças do fogo
vindo de uma claraboia gótica,
muitos também estão presos,
as respiradas curtas
e se dirigindo para o nada,
não é possível
atravessar a rua,
sem memorizar
um movimento anterior
nas mensagens:
“está tudo perdido”,
se ninguém mais
pinta retratos,
teria que recomeçar do zero.
agora também há pouca luz para pintar,
por isso o cansaço
(Brecht disse
claramente: apague os rastros).
Maria Eduarda Castro nasceu em Teresópolis, Rio de Janeiro, tem formação em cinema e mestrado e doutorado em filosofia pela PUC-Rio.